“Guerra e Paz”
Crónica de Março de 2023
“Ainda que seja capaz de falar todas as línguas, se não tiver Caridade, as minhas palavras são como o badalar de um sino, ou o barulho de um chocalho” (1 Cor 13, 1).
Vivemos num tempo em que bem, muito bem, se fala, mas onde esse bem falar soa a badalar de sino, ou mesmo a chocalhar. Guerra e Paz não é apenas o título do famoso livro de Lev Tolstoi, mas é também um binómio que nos está presente diariamente, desde há mais de um ano. E, se pensarmos bem, é o mesmo binómio que caracteriza a história da humanidade. Podemos perguntar-nos o que falha, para que em milénios de história percorrida nunca tenhamos aprendido o bom rumo…
Amanhã, dia 08 de Março, celebramos festivamente a memória de S. João de Deus, o nosso pai carismático. Numa das suas cartas ele afirma: “Tende sempre Caridade, pois onde não há Caridade não há Deus” (LB 15). Ele que foi soldado, ele que assistiu, e sentiu, a crueza da guerra, anuncia o
caminho da Paz: a Caridade. Ele impele-nos a caminhar com esta bandeira sempre içada, bem levantada,
para que todos vejam, e, sobretudo, para que todos a pratiquem. E, praticá-la não é andar de megafone na mão, ou com bandeiras garridas, para que todos notem o quão bons nós somos.
A Caridade que traz a Paz, que constrói a Paz, essa, anuncia-se dobrado.
“Aproximou-se, tratou-lhe as feridas com azeite e vinho e pôs-lhe ligaduras” (Lc 10, 34). Aproximou-se… tratou-o… pôs-lhe… Um belo tríptico que encontramos na parábola do Bom Samaritano, e, que João de Deus vai colocar em prática ao longo da sua vida. Não para que fosse notado, ou elogiado, mas porque amava! E, um coração que ama verdadeiramente, oblativamente, é incapaz de fazer guerra. Porque ama. E, onde impera o Amor, a Caridade, aí jamais penetram os ódios, as invejas, os mundanismos capitalistas. Então cabe-nos tomar o exemplo deste nosso português quinhentista, imitá-lo, dobrando-nos sobre as necessidades do nosso irmão, da nossa irmã, para que sejamos melhores, cada vez mais hospitaleiros, e hospitaleiras. Só assim findarão as guerras bélicas, e interiores, e surgirá o tempo da Paz, essa que é também ela, verdadeiramente, Reino de Deus.
“Aproveitai todas as ocasiões para serdes hospitaleiros…” (Rm 12, 13), “… porque por ela (a Hospitalidade) alguns, sem o saberem, hospedaram Anjos” (Heb 13, 2).
“Espanto!”
Crónica de Fevereiro de 2023
Saí porta fora, rumo a um monte ali perto.
Fiz toda a caminhada sozinha, ao meu ritmo, e a ouvir a playlist que me agradava.
Ao final de uma hora, cheguei a um ponto mais elevado. Ali sentei-me numa pedra tosca.
O telemóvel começou a tocar. Alguém me ligava. Mas, ignorei. Instantes depois voltou a notificar-me de algumas mensagens nas redes sociais. Não vi quais. Simplesmente peguei no telemóvel, desliguei-o por completo e guardei-o.
Fechei os olhos. Deixei-me estar assim um bom bocado…
Comecei a sentir o vento fresco que me afagava o rosto.
Aos poucos, fui capaz de ouvir o canto de vários pássaros diferentes, e fui capaz de compreender o quão harmoniosamente se encaixavam, formando uma única, e belíssima, melodia.
Abri os olhos. Vi o Sol ao longe, que vagarosamente se punha entre as serras. Era o entardecer do dia.
Decidi ficar ali. O Céu alaranjado foi dando lugar ao breu, onde as estrelas, às centenas, começavam a ganhar lugar.
Nenhum frio era capaz de me arrancar dali. E nesse momento já estava bastante.
Vi-me naquele ponto alto, sem qualquer foco de luz artificial. Só os astros celestes me iluminavam.
Contemplava a sua luminescência, o seu tilintar de brilhos, e a lua tão alta, redonda, serena.
E senti-me parte daquela imensidão. Daquela Criação.
Havia muito que não pensava nisso. Que sou parte da Criação.
E, foi ali, de olhos abertos, a contemplar aquela imensidão, que me ecoou uma frase: “E Deus achou que tudo aquilo que havia feito era muito bom” (Gn 1, 31).
E eu sentia-o, e sentia-O.
E, foi ali, no meio do nada, rodeada de tudo, que rezei uma das mais simples e belas orações da minha vida.
Tudo porque me espantei com o que vi.
Hoje já nada nos espanta… Temos de recuperar o tempo para nos espantarmos, ou vamos caminhando, mas perdendo as maiores belezas da vida.
Como diz o cardeal D. Tolentino Mendonça no seu livro «O pequeno caminho das grandes perguntas», “o Amor, o conhecimento, a poesia ou a santidade principiam com ele” (o espanto).
Então paremos. Desconectemo-nos… deixemo-nos espantar!
“A terapia dos Afectos”
Crónica de Outubro de 2022
O quotidiano leva cada um de nós a adotar uma velocidade megalómana entre obrigações, cobranças externas e auto-impostas para sermos mais e melhor, para termos mais e melhor.
Esta rotina alucinada deixa-nos exaustos, impacientes, sem capacidade de olhar com amor.
Nesses momentos de conflito interno penso em tempos mais felizes. Ou seja, viajo novamente aos anos que passei em atividade nas nossas casas, onde o tempo parecia infinito e os afetos tornavam-se prioridade.
Nestas casas onde o sol existe sempre, mesmo durante o maior temporal, vivem os maiores sábios do amor.
Lá, aprendi que o toque e o abraço curam as maiores feridas da alma, que o maior tesouro da vida surge na partilha de experiências e que vivemos todos com as prioridades trocadas até ser tarde demais.
Nestes lugares de encanto, aprendemos a fazer como o principezinho que amou a rosa e cativou a esguia raposa.
E somos constantemente lembrados da importância de olhar para o essencial da vida: O AMOR.
Mariana Silva. Nasceu em Dornelas, concelho de Amares, em 1992.
É assistente social e mediadora familiar de profissão, com especialização na área da promoção e proteção de crianças e jovens. Trabalha com famílias multi-problemáticas e violência doméstica, no âmbito da CPCJ de Amares.
Desde sempre gostou muito de voluntariado: fez atividade voluntária na APAV, Cruz Vermelha, enquanto socorrista, mas foi na JH que descobriu um sentido diferente para se poder doar aos outros. É também catequista e ministra extraordinária da comunhão.