Maria Eduarda Barbosa

“Deus vivo…”

Crónica de Dezembro de 2022

O Evangelho de São Lucas relata-nos um episódio da vida de Jesus em que Ele visita a casa das irmãs de Lázaro: Marta e Maria. Marta estava muito atarefada com as lides domésticas, enquanto a sua irmã Maria, sentada aos pés do Senhor, escutava tranquilamente a Sua Palavra.

Perante a passividade da segunda, prontamente questiona Marta: “Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar.” (Lc 10, 40). Retorquiu, então,
o Senhor “Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” (Lc 10, 41).

Parar. Precisamos de parar. Contemplar. Permanecer. Ser. Escutar.

Um verdadeiro encontro só pode nascer da escuta. É assim que Deus nos indica, tantas vezes, os caminhos a seguir, fazendo-nos sair dos nossos hábitos cansados e certezas dúbias. Muda tudo quando somos capazes de, tal como Maria, escolher a melhor parte, que é como quem diz, escolher encontros verdadeiros com Ele e com os outros. Sem formalismos, fingimentos ou dissimulações.

Não pode haver dores inconsoláveis nem alegrias exclusivas”, relembra-nos o Beato Frederico Ozanam. Acredito fielmente nesta frase e confesso que, nos momentos mais difíceis do meu caminho até hoje, ainda que com mais ou menos demora, consegui sempre confirmar estas palavras no meu íntimo. A explicação é a mais simples e honesta que vos poderia dar: Deus existe. Deus está aqui. Deus revela-se e faz-se presente. Deus vivo, que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).

Aproximemo-nos d’Ele, pedindo a luz necessária para compreender aquilo que Ele espera de cada um de nós – certos de que a Sua Vontade nunca será uma imposição que nos limita, mas sim revelação do Seu Amor por nós.

Saibamos deixá-Lo acampar entre nós, procurando escutar e observar o que nos rodeia com a mesma simplicidade e entrega deste Deus que, em Jesus, se fez menino.

Saibamos, neste novo ano que se avizinha, renascer com e em Deus, saboreando a riqueza da Sua presença e celebrando todos os dias, a cada dia, o maior dom que Ele nos ofereceu: a (Sua) Vida. Assim seja!

“Vinde Senhor Jesus e salvai-nos”

Crónica de Novembro de 2022

Na Eucaristia, enquanto me ajoelhava e fixava o olhar no madeiro da Cruz, eram estas as palavras do cântico litúrgico que ecoavam e inquietavam o meu coração. Como se o Altíssimo me quisesse falar naquele momento.

“Meu bom Jesus, vem salvar-me”, pedi-Lhe então. Em algum momento da nossa Vida, já todos fizemos o mesmo, não é verdade?! Pedimos-Lhe que nos ajude, nos ampare, que ouça as nossas preces e guie os nossos passos, sobretudo quando os caminhos se adivinham mais sinuosos.

Mas será que estas palavras surgem unicamente motivadas por um real sentimento de confiança no Senhor, e neste Amor oblativo que com Ele procuramos partilhar; ou, pelo contrário, mesmo que de forma inconsciente, rapidamente se esvaem no tempo e não são mais do que fruto da nossa condição humana, que nos trai e nos deixa absorver pelo interesse e pela aflição?!

Pensemos, então, em tudo isto ao contrário. Do que Nosso Senhor Jesus Cristo é e foi capaz de fazer por nós penso que ninguém terá dúvidas: “Renunciando à alegria que lhe fora proposta, sofreu a cruz”; “Pensai n´Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores” (Heb 12, 2-3).

Mas e cada um de nós, até onde somos genuinamente capazes de ir por Ele? Até onde vamos na construção do reino de Deus? De que modo contribuímos para isso, no nosso quotidiano?

O Profeta Jeremias, que ousando anunciar a Palavra de Deus e a sua missão profética arriscara-se a ser morto por ordem do Rei de Judá, tal como os percursos do povo Hebreu e do belíssimo Job, são alguns dos vários exemplos da Bíblia que nos convidam a refletir sobre esta questão.

Todos eles – atrevo-me a dizer – relembram-nos algo comum: o caminho cristão não é fácil.
É feito de avanços e recuos, certezas e tropeços, num processo que se espera de encontro. Exige coragem e perseverança. Exige fidelidade e sentido de compromisso com Deus e com a Igreja.

Tal como um atleta de alta competição necessita de treinar arduamente para atingir os seus objetivos, também a nossa alma necessita de preparação para que, em qualquer circunstância, sejamos capazes de desenvolver um espírito fortalecido, que nos aproxime de Deus.
Seja através da oração, da participação na Eucaristia, do serviço ao outro… somos sempre convidados a não perder de vista o exemplo de Jesus Cristo e, desse modo, a deixá-Lo
habitar em nós e nos outros. Com a sua presença simples, suave, mas ternamente firme e incondicional.

Como podemos ler na Carta aos Hebreus, em boa verdade, “a fé é garantia das coisas que se esperam e a certeza daquelas que não se vêem” (Heb 11, 1).

Sejamos também fiéis, constantes. Peçamos a Deus, acima de tudo, que nos ensine a cumprir a Sua vontade. E não nos envergonhemos. Hoje e todos os dias, grat@s ao Senhor!

“Amar a Deus muda a maneira como amas os outros”

Crónica de Outubro de 2022

É esta a frase, de autor desconhecido, que desperta a minha consciência para a reflexão que partilho hoje convosco.

Como olhamos aqueles que nos rodeiam? Como estamos dispostos a amá-los e a compartilhar este Amor do Pai, que nos une a todos como Irmãos?
A Primeira Epístola do Apóstolo São Paulo aos Coríntios dá-nos pistas para todos estes questionamentos, mostrando um caminho de perfeição que ultrapassa tudo.

Escreve, então, São Paulo que “O amor é paciente, o amor é prestável; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso; nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse” (1 Cor 13, 4-5a).
Não será isto mesmo que Deus espera de nós? Que o Amor que sentimos por Ele seja construído com simplicidade, fidelidade, constância, resiliência, fortaleza e compassividade? Um amor capaz de dar (a) Vida?

Deus espera-nos assim, Ele está aqui mesmo, tão certo como este ar que respiramos. Está no rosto do vizinho doente, do colega de trabalho com cara cerrada, do familiar conflituoso e até daqueles que, não conhecendo, temos também a responsabilidade de cuidar, não fôssemos nós cristãos e membros de uma sociedade que se espera sinónimo de humanidade.

Por isso, sim, estou certa de que a forma como amamos Deus, e cultivamos esse mesmo Amor, transforma a capacidade que temos de nos relacionarmos uns com os outros, visível nos mais pequenos gestos do dia-a-dia. Que o mesmo é dizer: a capacidade de refletir genuinamente esse Amor que Lhe temos no Outro, seja ele quem for, tornando esta forma de estar e ser no mundo – de acolhimento e serviço ao próximo – missão de vida para cada um.

Saibamos sempre viver (n)esta graça, puramente conscientes da riqueza que é dar e receber sem esperar nada em troca. Não importa a cor, o estatuto social, a idade, as nossas qualidades, a profissão que exercemos ou a maior benfeitoria que façamos… “se não tiver amor, de nada me aproveita”, se não for por Amor e com Amor de nada vale tudo isso (1 Cor 13, 3b).
Nem aos olhos de Deus nem da nossa consciência, que é onde Ele melhor nos fala!

O livro “Imitação de Cristo”, de Tomás de Kempis (2015), recorda-nos que “Grande coisa é o Amor! Ele só faz leve o que é pesado, suporta com ânimo e serena as inconstâncias da fortuna” (p.168).

O Amor une,

O Amor cria pontes e derruba muros,

O Amor ampara,

O Amor cura,

O Amor salva,

O Amor redime o pecado,

De Amor somos feitos e através dele viveremos eternamente.

Não nascesse ele de Deus… não fosse o Amor, como nos recorda um dos grandes pais da Caridade, São Vicente de Paulo, “inventivo até ao infinito”!

Maria Eduarda Barbosa. Natural de Modelos, com muito orgulho. Assistente Social, Vicentina e membro da OVAR (Obra Vicentina de Apoio ao Recluso), e Jhovem Hospitaleira desde 2022, considera, como São Vicente de Paulo que «o Amor é inventivo até ao infinito».