Leonor Mesquita

“Amigos e irmãos”

Crónica de Dezembro de 2022

Todas as pessoas deixam saudade(s) em nós, mas há aquelas pessoas que nos prendem cada vez mais à vida mesmo que o seu percurso esteja mais perto da morte. Há pessoas que nos motivam a vivermos junto delas até ao último segundo, e depois há outras que pedem o seu espaço e cabe-nos a nós aceitar e respeitar.

Este texto é sobre a máxima importância que os amigos e pessoas próximos têm na nossa vida; inclusive alguns apelidamos de “irmãos”. Confiamos os nossos segredos, os sonhos, as paixões, as fragilidades e as derrotas. São o nosso núcleo e depositamos toda a nossa confiança nelas, porque sabemos que são porto seguro, abrigo e fonte de felicidade para nós onde podemos voltar sempre, mesmo que o mundo lá fora esteja a desabar. Amigos são para a vida e devemos cuidar deles como os pais cuidam e educam os filhos, devemos respeitar como respeitamos aqueles que são diferentes de nós, devemos amar como nos amamos a nós próprios. Estamos para eles como os casais estão um para o outro, na alegria, na tristeza, na saúde e na doença. É muito importante apoiar os nossos amigos em qualquer fase da vida, mas especialmente quando a doença se apodera daqueles que nos são queridos, e não temos mãos a medir porque já não há nada a fazer. Um dia de cada vez. Um Pai Nosso por dia e uma Ave Maria a cada refeição. Lutamos sempre contra essa despedida frágil, complicada que nos atormenta sabe Deus como, mas que sabemos que chegará no momento que Ele quiser e desejar. Resta-nos rezar e acolher essa fase como uma bênção que essa pessoa é para nós. Um amigo próximo e queremos cuidar mesmo num momento vulnerável na sua juventude. Queremos visitá-lo e tê-lo por perto, mas toda a gente o quer. Queremos que ele nos perdoe quando não conseguimos estar presentes, por motivos maiores. Queremos sempre aquele abraço de aconchego que nos conforta e transporta para uma dimensão de boa energia e conexão. Queremos sempre protegê-lo dos vírus, das bactérias, dos bichos e da doença que se alastra. Queremos sempre estar em tudo, mas temos de saber e confiar que o nosso amigo precisa do seu espaço porque a doença assim o pede.

É desta forma que nos tornamos cuidadores mesmo sem o queremos e que o fazemos porque nos guiamos pela fraternidade, comunhão e hospitalidade. O nosso amigo não é só nosso, é também do mundo, das crianças, dos irmãos e das irmãs. É para nós fonte de luz e esperança para o derradeiro momento das trevas, porque apesar de doente e débil ele (parece) aguentar-se firme e rijo… cabe-nos a nós estar a seu lado e rezar por um desfecho positivo.

A música do meu amigo F não mente:

“perder, deixar ir e entregar”

Podem-nos tirar tudo, mas se nos tiram os amigos levam um bocado de nós, e é para sempre. É complicado não sermos frágeis perante eles, mas também fracassamos e queremos ser positivos e dar força a quem está na situação.

Sei que provavelmente não vais ler este pequeno texto F, mas nunca te esqueças que a vida é dura, mas tu também és.

“Humanidade. Finitude. Solicitude: 3 premissas”

Crónica de Novembro de 2022

A vida é demasiado ténue, frágil, puramente inconsistente para que nós a desperdicemos com pequenos arrufos e manhas, mal-amanhadas. Isto faz de cada um de nós seres quebráveis, que se sentem cada vez mais desamparados consoante cada situação. Porque “cada um sabe de si e Deus sabe de todos”.

Consoante o panorama de cada ser humano. Seria tudo mais fácil se a vida fosse uma linha constante de magia, e que todos os problemas fossem só problemas que nos tirassem a fome, o sono, a ânsia de sermos mais. Se todos os problemas fossem “só”; sim, porque para algumas pessoas é de facto um problema ou uma questão dúbia: a roupa que vamos vestir no aniversário do tio ou o baralho de cartas que queremos oferecer a alguém especial… Então estávamos todos mais relaxados e cobertos de razão. Seria tudo mais fácil se fossemos correspondidos no amor, se nos pudéssemos teletransportar para conhecer o mundo, ou se o nosso chefe nos estendesse o período de férias, de efetivo e merecido descanso. Só que não… lamento! A vida é dura, mas tu também és.

São episódios que nos tiram a nossa dose de energia e consomem-nos por inteiro, mesmo que estejamos, já, todos fraturados. Por mais que a nossa vontade seja fugir de permanecer no vazio, na penumbra, na escuridão. O fundo do poço.

Humanidade – seremos capazes de viver intensamente à luz do amor de Adão e Eva antes do pecado original? É uma questão que nos faz ter sede para correr atrás, e não ficarmos no sofá, no meio dos cacos. Esses cacos transformam-se em pedaços que não nos permitem avançar com os nossos sonhos, paixões, e por isso pairamos no ar como bolinhas de sabão. Sem direção. Sem rumo. Sem conexão com a vida. Faz falta conectarmo-nos e sobretudo com a vida em abundância, que nos puxa para uma vivência profunda com o outro. A humanidade é muito mais do que ser bom cidadão, bom colega, bom filho, vai para além disso.

Finitude – tudo tem o seu fim e o melhor exemplo disso é a própria vida… E que bênção! A vida é cíclica, mas vai-se desgastando e com isso o fim da noite e o começo do dia, o fim de uma era para dar lugar aos que vêm atrás. O Fim. O fim de algo pode ser o começo de tantas outras coisas, porque pode significar que pusemos um ponto final ou escolhemos seguir outras vias, para estarmos dispostos a novas coisas, a novas pessoas. O fim pode assustar, mas também nos remete para o caminho que fizemos até certo ponto, não esquecendo nunca os traços da hospitalidade.

Solicitude – nunca nada vem só e tudo vem com trato, com cuidado. Esperamos isso do outro. Esta última premissa é importante para que percebamos que toda a mística das premissas anteriores espelha-se inteiramente neste gesto de comunhão, de fraternidade, e sobretudo, prontidão para com o outro que caminha ao nosso lado.

Somos convidados a ser totalmente humanos em tudo a que nos propomos, porque existe um fim, próximo ou longínquo, que nos impulsiona a ser ativos na partilha da Fé, e na passagem pela terra. Construímos caminho rumo à santidade.

Se caminharmos pela estrada fora sozinhos, não nos podemos esquecer d´Ele que nos acolhe, da nossa Boa Mãe, mão com mão, coração unido e oração constante.

Por vezes, na voz de cada um de nós reina um silêncio necessário para que sejamos ouvidos lá em cima.

“A Arte do Cuidar Hospitaleiro”

Crónica de Outubro de 2022

Parece ser tão fácil desconstruir este verbo montado em seis letras e a terminar no apelativo “dar”, mas na realidade é mais complexo e vai para além dessa simples desconstrução. Para uns é premissa do seu trabalho, para outros surge como um estado de felicidade extrema, por fazer o bem bem feito. Este dar traiçoeiro implica que nós humanos tenhamos algum tipo de abertura, para querer estar junto do outro, num momento mais frágil, débil. Darmos de nós com a certeza de que o nó do amor é bem-sucedido e conseguido. 

Rima com amar, rima com estar, rima com acompanhar, palavras essenciais para que este cuidar seja pleno e garantido ao outro. Podia rimar com tantos outros verbos: o querer, o ser ou até o pertencer. Todos eles ganham um lugar especial quando se trata de cuidar do outro com toda a alma e com o coração desperto, no sítio certo. Este cuidar pertence a qualquer verbo que quisermos dispor, representa um sinal de manifesto de afeto, carinho pela outra pessoa. Todos merecem este cuidar, todos podem cuidar de outros e todos deveriam pedir ajuda para ser cuidados. Este é um verbo que todos conhecem, mas que nem todos o sabem vivenciar, experienciar! Eu tive e continuo a ter mais do que a oportunidade, o privilégio de o intensificar na minha vida de uma forma bastante hospitaleira. Consigo captar esse cuidar na minha vida de uma forma calorosa e disposta a ser mais com menos, para os outros e com os outros. Lado a lado. Bata com bata. 

Para ti que estás desse lado, gostava que de alguma maneira te pudesses identificar com aquilo que se passa deste lado, porque também já houve alguém que cuidou de ti, ou por outro lado, também tu já te permitiste ser cuidado ou cuidar de alguém. Cuidares de ti é a peça chave que te falta para depois poderes prestar cuidado ao outro. O pobre. O sofrido. O doente. O amigo. O Senhor. Tu próprio. 

Cuidaram de ti em criança, que maravilha! Cuidaram de ti no sofrimento, na dor, no luto, na proximidade da tua vulnerabilidade, uma excelente prova de amor. Cuidaram de ti quando caíste ou tropeçaste nos caminhos da vida, mãos largas essas que te souberam agarrar. Cuidaram de ti a vida toda, nem todos têm essa sorte, sente-te privilegiado.

Partilho contigo a história de uma criança, que apesar de o ser nunca deixou de sentir como gente grande, como aqueles que usam uma bata de cor branca, azul ou amarela. Falo dos Médicos. Dos Enfermeiros. Dos Voluntários. Ah! E claro de uma Comunidade tão bem conseguida e cheia de espírito fraterno das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. De coração cheio, peito aberto e mãos de doçura que acalmam aqueles que passam pelas Casas de Saúde. Esta criança que nem eu conheço, mas já me identifico bastante com ela, e será que tu também? pois bem, ela sempre esteve habituada a visitar casas grandes com muitos profissionais, para ela verdadeiros heróis de senhores e senhoras que passam mais do que simples temporadas nessas grandes casas… em muitos casos tratava-se de uma vida. Era um sítio parecido ao hotel onde os pais a levavam nas férias grandes da escola, mas a sua particularidade é que o número de quartos e de corredores era bastante superior, e cada um dos andares tinha direito a uma placa com um nome de um santo especial para os “hóspedes”. De vez em quando via-se nos extensos corredores frios e longos (galeiras) ou nos jardins verdejantes e convidativos e de uma tranquilidade extrema, uma ou outra criança a brincar com o seu peluche e a inventar as suas brincadeiras e histórias, como se já estivesse a delinear o seu futuro como gente grande. Como o papá e como a mamã. Estaria precisamente esta criança a cuidar do seu peluche, tal como nas casas grandes os de bata branca, azul ou amarela, cuidavam em todos os turnos, em todas as festas, em todas as circunstâncias por medida cheia através do chamamento da sua vocação, daqueles que por uma questão delicada de saúde, permaneciam nas Casas de Saúde por tempo indeterminado. Ah! E a Comunidade das Irmãs Hospitaleiras era exímia no tratamento, no serviço e no acompanhamento aos doentes. Para esta criança eram quase uma réplica da sua avó, mas com uma vestimenta diferente, e mais do que isso traziam o menino Jesus ao peito. Uma coisa inédita, fascinante e utópica para a maioria das crianças. Como é que estas senhora menos ou mais velhinhas que a sua avó querida, podiam andar com um fio de Jesus ao peito, se Jesus pertencia a Maria e a José? Ela não se atrevia a perguntar aos pais o porquê de isso acontecer, mas como sentia como gente grande sabia que os pais tinham um apreço enorme por essas senhoras. Elas cuidavam bem de outras tantas pessoas, eram dóceis e amáveis, simples e delicadas, e para além de andarem com O menino ao peito, elas viam no rosto das doentes o rosto de Jesus. 

Para Violeta, criança pequena cheia de vida e maravilhada com o que se passava nas Casas de Saúde, as férias grandes da escola – outrora passadas em hotéis e casas rurais – eram agora passadas nessas grandes casas. Era uma forma de os pais a confrontarem com a realidade de outras pessoas grandes, que não o pai e a mãe; não era como uma visita de estudo da escola ou uma ida ao museu. As suas visitas anuais a essas grandes casas abriam-lhe o coração, a alma entranhava-se em empatia, compaixão e gratidão por saber que essa realidade existia. Sentia-se muito pequenina quando pisava o chão frio da Igreja, porque o Senhor era grande e grande são as suas obras e maravilhas para o seu povo. Sentia-se pequenina quando dava um abraço espontâneo àqueles que andavam a fazer maratonas nos corredores, à espera desse abraço apertadinho e aconchegante. Sentia-se pequenina quando terminavam as visitas e regressava a casa com vontade e sede de voltar. Sentia-se pequenina porque grandes eram aqueles que cuidavam das pessoas com problemas, que faziam da sua vida altruísmo e estendiam a mão sem esperar retorno. A Violeta cresceu, regressou à escola e nas composições das férias escrevia sempre a mesma coisa na sua folha branca com linhas “Uma pessoa vale mais que o mundo inteiro”. Ela ainda não percebia bem o sentido da frase, a importância de quem a eternizou, mas estava espalhada pelas casas de saúde e isso era reflexo de uma gratidão pelo Pe.Bento Menni. 

Leonor Mesquita. É natural de Colares, Sintra. Jovem hospitaleira há tempo suficiente para aceitar mais um desafio. Marista desde 2009 e orgulha-se do caminho percorrido. 
Considera-se uma pessoa transparente, genuína e autêntica. Amante da escrita e da leitura. É Assistente Social e por isso vive a sua vida em constante insistência e mudança social.